quarta-feira, 1 de agosto de 2012

As manhãs de Agosto nascem cinzas

As manhãs de agosto nascem cinza para mim. Há 12 anos, uma mistura de desgosto com receio desponta com o raiar do dia em meu peito. Agosto tirou meu pai de uma forma tão arrogante e bruta que não me resta opção a não ser respeitar. Ao me deparar com a chegada de Agosto, que todo ano não falha, e faz das minhas noites de inverno escuras e frias, após os dias amenos do outono, eu só desejo que esse mês termine bem. O quê me consola é saber que logo as noites iluminadas e os dias coloridos da primavera fielmente chegarão e me consolarão.... Agosto, receba meu respeito e a minha resignação. Que nos próximos 31 dias eu lhe seja agradável.... E, se puder, afeiçoe-se de mim. Pode entrar Agosto, só nao fique tão à vontade a ponto de esquecer que aqui há um coração que ainda sangra....

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O tempo que ainda me resta

Eu conto a vida não pelo tempo que já vivi, mas pelo provável tempo que ainda terei (ou não). O Amanhã é uma fantástica invenção com a finalidade de motivar e servir de direção para a caminhada. A cada amanhecer, uma folha em branco para escrever um pergaminho. E o dever de escrever a melhor história. Se vou usar caneta, lápis, nanquim, pincel, tinta, lágrima, suores, gozo ou urucum não importa. Eu tenho que escrever enquanto ainda me resta tempo. E o que farei com as páginas escritas? Vou ler, devorar, me secar, fazer barquinho de papel, chapeuzinho de soldado, gaivota, pipa, bandeirinhas, rascunho no verso, reciclagem, escada para o céu ou forro para o chão do meu túmulo. Que meu pergaminho hoje tenha as cores desse céu que me lembra que estou viva e que a vida pode ser Azul, apesar de todos os lutos....

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Amigos, vocês são todos "farinha do mesmo saco"

Se são muitos??? Não importa. São de valor inestimável...
Se são totalmente sãos? O que sei e me basta é que sou totalmente louca de paixão por eles...
Se não estão presentes o tempo todo, são feito anjos da guarda...
Se não estou presente, eles não cobram, mas me perdoam...
Se choro, penso neles...
Se sorrio, quero dividir com eles...
Ah amigos... Vocês são todos "farinha do mesmo saco"... São "areia demais para meu caminhão"...
Se vale o ditado "diga com quem andas que te direi onde vais", não será difícil saber para onde vou...
Amigos, vocês são meu negócio à parte.
"quem avisa, amigo é":
Por vocês viro fera...
Com vocês, viro criança...
Prá vocês, me consumo por inteiro...
“O Vinho é o Amigo, do mais antigo.”
Um brinde, amigo.
Se “A amizade é o amor sem asas",  meu vôo ao seu lado é com os pés no chão.
Tudo o que sei é que juntos somos mais fortes...
Que nossa fé, não somente remove montanhas, como constroi pontes, derruba muros, nos leva do Oiapoque ao Chui numa fração de segundos...
Ah, amigo... serei eternamente responsável por quem cativei...e com que prazer.
Se quem encontrou um amigo verdadeiro, encontrou um tesouro, eu estou rica "prá caramba"...

Feliz dia do Amigo!
Meus tesouros!

terça-feira, 29 de maio de 2012

Anita fará amor com o Silêncio

E hoje o grito de Anita será de Silêncio. E quem quiser ouvir, que ouça. E quem não quiser, ela não lamenta. Anita sabe que o Silêncio é filho da Dona Sabedoria e que seu pai se chama Senhor Tempo. Anita está decidida a cortejar o Silêncio. ... A se deixar ser seduzida por ele e a se entregar, numa entrega tão absoluta, que resulte numa explosão de justiça e paz. Anita hoje deseja o Silêncio com a fome dos abutres.... Com a sede dos beduínos.... Com a determinação dos garimpeiros.... Com a sagacidade dos piratas.... Com a coragem dos Alpinistas.... E com a curiosidade dos mergulhadores.... Hoje, Anita fará amor com o Silêncio.... Um brinde a essa entrega....

segunda-feira, 21 de maio de 2012

À flor da pele e em carne viva....


Não procurava culpados, nem mártires... não apontava carrascos, nem santos.... não precisava de mais dogmas, nem de visões apocalípticas... não ansiava por conto de fadas, nem muito menos queria descobrir o quê havia no final do arco-íris... não sonhava com príncipes, nem pretendia beijar sapos... não almejava ser canonizada ou entendida.... não se importava que a xingassem, nem que a ignorassem...  queria tão pouco!!!!
A paz que precisava estava no direito de ir aonde seu coração mandasse... ser escrava somente dele.... a realização que desejava estava em amar sem dosador... abrir mão da fita métrica, da balança e do termômetro... Seu peso e sua medida não estavam no amor que pudesse receber, mas no direito e no dever de se esfolar por inteira por quem ama, de sentir todo o sentimento que há no mundo, mesmo que custasse a carne viva....
Queria experimentar o gosto do mundo, pelo preço que fosse justo. Tinha uma fome devoradora de vida... tinha pressa. Não tinha tempo a perder... “vou ali e já volto”, mesmo que não voltasse mais, iria... e não duvidava que a estrada fosse longa... e não temia que houvesse pedras, contando que fossem jogadas somente nela e não nos seus. Ter a faca no pescoço não a intimida, até porque já teve e para sempre estará cravada na sua jugular...
Só temia lavar as mãos. A crise que a abalava era a da inércia. Era aquela que caminhava e buscava sempre... Levava apenas uma pochete cafona, mas que cabia todo o amor que houvesse no mundo... A força que precisava estava no fruto das suas entranhas... não precisava se dividir para amar, mas se multiplicaria sempre pelo infinito do seu amor.
Tudo só faria sentido se olhasse para trás e visse que brotaram flores por onde andou... não sabia o tempo que duraria a jornada, mas desejava que fosse o suficiente para escrever uma história honesta e digna... que honrasse e fizesse valer o sacrifício dos seus pais... que inspirasse e orientasse os passos dos seus filhos e que servisse de expiação e reparação para suas faltas...
Tudo o que queria da vida era o direito de viver de verdade, com todos os exageros, discrepâncias, incoerências, ousadia e metáforas que sua condição de criatura permitisse....
Deixar sangrar, pois em último caso, o sangue poderia matar sua sede....

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O insustentável peso da vida

Entre o todo e a leveza, eu prefiro a liberdade.
Até porque não creio em nada e ninguém que seja tudo ou que seja nada.
Vejo cada um como parte de um todo que se completa, à medida que se permite que cada um seja o que quer e o que pode ser.
Nesse sentido, incomodam-me bagagens pesadas demais. E, mais do que isso, pessoas que carregam bagagens pesadas demais.
Eu gosto mesmo é de gente, mas confesso preferir as que são leves.
Que não se auto-intitula proprietária da verdade;
Que não se auto-nomeia crítica das coisas que ninguém solicitou opinião;
Que não carrega rótulos demais, conceitos pré-definidos, verdades absolutas e dogmas inalcançáveis.
Gente que não se importa com o tamanho da saia da vizinha, com o sexo dos anjos, se o sonho é preto e branco ou colorido, pois está ocupada demais em sonhar seu  próprio sonho, em costurar sua própria saia e que não abre mão da companhia angelical, independente do gênero.
Gosto tanto do tipo de gente que quanto mais entende, menos sabe...
Que não se explica o tempo todo... que não tem uma justificativa para cada suspiro...
Gente leve que geme sem sentir dor e não tem pudor disso.
Gente que assume que usa máscaras, mas que as tira de vez em quando para respirar... e eu fica linda com o rosto suado...
Gente que não precisa sair por aí dando a cara à tapa, mas não tem o menor problema em dá-la a beijos...
Gente que puxa orelha, mas que mordisca também.
Eu gosto de gente que não incorpora o profeta do apocalipse, mas que procura estar sempre de bem com o mundo, pois sabe que ele pode acabar hoje ou a daqui a um milhão de anos....
E como eu não sei nada, mas como a Lispector, desconfio de muita coisa, alicerçada no dito popular “Diga com quem andas, que direis aonde vais”, prefiro andar com gente leve... E, assim, quem sabe, eu torno meu insustentável peso da vida, mas fácil de carregar....



quinta-feira, 10 de maio de 2012

Eis quem chega...

Acontece sim, e não raras são as vezes, que no afã de se ter ou de se sentir no controle de tudo, nem percebe-se que visitantes ilustres batem à porta e, quase nunca, se está em casa para abri-la.
Seria simples. Bastaria destranca-la, dar boas vindas e receber o abraço largo, com cheiro de vida e recheado de boas novas.
Bom dia, Senhor Inusitado! Boa tarde, Senhora Surpresa! Boa noite, meu caro Inimaginável! Fique à vontade, Dona Aventura!
Fixar à fachada: “Fui ali viver e não tenho hora para voltar”.
 Ou, “”aqui não são bem vindos os mensageiros das Mágoas, das Frustrações, da Baixa Autoestima, do Preconceito  ou da Vingança”.
Construir casa sobre rodas e com ela ir aonde o coração pede e a razão deixa.
Estar sempre em casa, mas nunca parado.
Se a terra gira, quem será tolo de não se virar também?
Que surpresa boa perceber que, às vezes, o Senhor Prazer  chega com cara de menino.
Que bom ser livre para abrir a porta e reconhece-lo no rosto do visitante.
Que maravilha poder dizer: Pode entrar,  a casa é toda, toda, sua.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Mas, se hoje é sexta-feira....

Mas se hoje é sexta-feira, o que eu ainda estou fazendo aqui, dentro de mim?
Hoje é dia de se ejetar para fora, de sair do casulo e se desnudar. Tem planeta girando, tem estrela nascendo, sol explodindo de energia, a lua mais tarde vai dar show no céu... tem balé de pássaros, mistérios se desvendando no fundo do mar, tem manga no pé prontinha para ser chupada, enquanto, se senta em uma pedra  esculpida há anos pela natureza, os pés balançam nas águas de um rio, que adiante cairá em cachoeira.
Mas se hoje é sexta-feira, o que eu ainda estou fazendo aqui, dentro de mim? Tem roqueiro fazendo solo de guitarra por aí, tem dançarinos reproduzindo movimentos de cisnes,  tem vovó fazendo  broa de milho com café, tem casinhas brancas com varandas em algum campo.... têm montes a serem escalados e que oferecem em seu topo o cenário e recompensa.
Tem filme de Kurosawa para viajar e livro de Fernando Pessoa para sonhar.... Tem quadro de Picasso para se excitar e tem Roberto Carlos, You2, Pearl Jam, Aerosmith, ACDC e Coldplay  para se teletransportar...
Mas se hoje é sexta-feira, o que eu ainda estou fazendo aqui, dentro de mim?
Tem mãos estendidas à espera de abraços, tem gente caída à espera de um empurrão, tem sorrisos por serem desenhados, tem muita gargalhada para dar junto, tem boca molhada pronta para beijar, tem barrigas famintas para alimentar e tem  choro para consolar...
Sim, hoje é sexta-feira. Dá-me licença, preciso sair de mim.
Sigam-me os Sãos....

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Forasteiro Tempo

Manipula a contento, e ilude, o Feiticeiro tempo.
Miragem nebulosa, que cega e confunde.
Impera majestoso, e a miúde, razão e sonho funde.
Por deveras, sorrateiro, arrasta e arranca forasteiro.

Em tudo há nada, e em vazia povoa.
Enlaça, distrai e derruba, quase à toa.
Brinca, disfarça a farsa, dança às custas e depois voa.

Domina, antes se faz sina.
Parte em cacos, cola pedaços e fascina.
Monstro, anjo, bruxo, menino...
Espectro, lapso, métrico, colapaso...

sábado, 14 de abril de 2012

Escrevo, logo existo!


Escrever às vezes sangra
Descobre o curativo
Expõe a ferida
Expurga o que era imundamente guardado

Escrever às vezes chora
Esvazia a lixeira das lembranças
Põe de molho vestes encardidas
E desinfeta cantos angulares

Escrever às vezes sua
Exercita os músculos que faltam ao cérebro
Barras, pesos e esteiras fortalecem
E ajudam a carregar o mundo nas costas

Escrever às vezes ri
Sublinha as anedotas do dia
Transforma os tombos e piruetas em palhaçada
E faz da vida um picadeiro

Escrever às vezes sonha
Acordado, a cores, com começo, meio e fim
Se vai à lua ou à esquina, derruba muros, constrói pontes
Leva ao Japão ou para a cama

Escrever às vezes goza
Arrepia, mordisca, sussurra
Transforma o instante em eternidade
Faz de dois, um só. E de gemidos gritos de prazer

Escrever às vezes constrói
Transforma verbo em gente
Multiplica pães e peixes
E faz das pedras canteiros.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Memórias de Clara


Clara não era frustrada, mas não negava alguns resquícios de lástimas.
Não sofria por isso, entendia que, simplesmente, deixava de ser ainda mais feliz.
Não havia em Clara a obsessão por  ir atrás do tempo perdido, mas procurava compensá-lo à altura.
Costumava dançar em frente ao espelho, mas não dedicara-se à arte da dança como pretendia...
Sempre se viu andarilha, mas, ao contrário, Clara não percorrera os quatro cantos do mundo como planejara...
Ela que amava partilhar experiências, não conquistara o diploma de mestre, como se programara...
Admirava os moços do outro lado do mundo, mas Clara ainda não conhecera o nobre cavalheiro oriental dos seus sonhos...
Como Clara era imaginativa... Bastava fechar os olhos para se ver dançando de rosto colado com o mais lindo dos samurais, rodopiando pelo globo terrestre e ainda dando aula de como ser feliz.
E quem ousará dizer que Clara não era realizada?
No que estava ao alcance de suas mãos, Clara tratou de não perder tempo. Apressou-se em ser mãe dos filhos que idealizou. E como fazia isso com gosto.
Fazia do trabalho, uma religião. E com que prazer fazia isso.
No mais, quem será capaz de negar que Clara tinha o dom de alcançar seus sonhos, apenas fechando os olhos?
Para Clara, ser feliz era uma questão de ponto de vista, de imaginação, muito de entrega e um pouco de resignação.
Para Clara, ser feliz era  questão de momento, de comprometimento, de determinação e alento.
E o que são resquícios de lástimas, diante de tanta vontade de ser feliz...
Sim, Clara era uma fabricante de imaginação!
Não era à toa que perdera a conta das vezes que assistira a sonhos, de kurosawa.
Mas Clara não era feita apenas de sonhos, era a própria construtora de vida. Era a realidade em pessoa. Porque ela acreditava que para ser feliz, bastava sonhar e estar vivo.

sábado, 7 de abril de 2012

Dia do Jornalismo - uma história de paixão e responsabilidades


Era ainda muito criança quando sonhei pela primeira vez em me tornar uma jornalista.
No início, parecia a ideia genial para satisfazer o desejo da menina de estar perto de sua paixão. O amor pelo futebol foi herdado do meu pai. Acho que encontrei no Flamengo a melhor forma de ser cúmplice do meu velho. Eu sabia tudo sobre o time, não perdia uma só partida e era inseparável do meu radinho de pilha. Que fórmula incrível a menina que eu fui descobriu para estar perto do homem mais importante de sua vida.
Quando fiquei mocinha, o presente que eu queria, era ir ao Maracanã pela primeira vez. E como foi inesquecível aquele Flamengo3x2São Paulo, de virada pelo Campeonato Brasileiro. Só que nessa altura, ao completar 12 anos, a paixão já era minha também. E mais do que uma rubronegra, eu era uma “Ziquista”. O Galinho de Quintino era o ídolo da minha vida. E a vontade de ser jornalista já não era mais apenas uma estratégia para estar perto do que gostava. Nessa ocasião, já era uma certeza: eu nasci jornalista.
Isso me exigiu adaptação. Precisava me preparar para o desafio. E foi uma mudança atrás da outra. E como eu crescia em paralelo com a minha vocação. Comecei a faculdade e logo, graças a uma prova, eu passara para aquele que seria, naquela altura, o trabalho ideal: a Rádio Globo. Da redação para o Departamento de Esportes seria um pulo. Mas, o caminho foi sendo trilhado para outra direção. Ainda como estagiária eu já atuava como profissional. Passei por várias editorias, menos de Esportes.

Entrevistei o Zico algumas vezes, mas, a essa altura, ser jornalista, já não era mais apenas uma escolha apaixonada. Ser jornalista era minha vida, o meu meio de subsistência e minha realização pessoal. A paixão pelo Zico continuava perfumando a escolha e as pernas ficavam bambas sempre que eu o encontrava. Mas a profissão era assunto mais sério agora, que envolvia outras paixões. E por algumas delas, fui obrigada a abrir mão dos rumos que eu traçara para mim.
Sonhava ajudar a mudar o mundo com meu jornalismo sério e sacramental. Imaginei-me nos lugares mais repugnantes, denunciando, retratando e buscando soluções. Queria fazer a diferença na vida das pessoas e do meu país. Mas, como fui educada pelo velho Seu Bebeto a ser responsável por minhas escolhas, me vi diante da condição de resignar-me e aceitar a vertente do jornalismo que, até então, era a que menos me seduzia. A liberdade da escolha, exige a responsabilidade das consequências.
Tenho orgulho de ter me tornado Assessora de Imprensa, de ajudar a divulgar empresas e projetos que para muitos fazem a diferença. Quantas famílias sustentadas graças a essas instituições e quantos projetos desenvolvidos que semearam esperança na vida de tanta gente. E, assim, fiz a diferença, principalmente, na vida dos meus três tesouros, que hoje são a minha razão , a minha meta, a minha causa, a minha recompensa... E, ainda, de quebra, graças ao suor do jornalismo que exerço, ainda pude fazer a diferença na vida do meu filho do coração, que hoje trilha por caminhos dignos e que me ajuda a por em prática o tal “amar ao próximo como a mim mesmo”.
Se eu amo o jornalismo? Se eu me orgulho da minha profissão? É meu sacerdócio, é meu ganha pão, é o meio sagrado do qual posso promover os sonhos dos que amo.... Se eu sou frustrada? Sou uma jornalista apaixonada que reverencia seu trabalho como quem está diante de um sacramento.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A razão

Às vezes parece que a razão está sem razão. Às vezes parece que a razão torce para que percamos a razão. Às vezes arrumamos pequenas grandes desculpas para não viver pequenos grandes momentos.
Às vezes parece que sabotamos nosso direito de ser feliz, simplesmente porque achamos piegas a felicidade.
Gosto da razão, sou muito simpática a ela, mas tenho meus receios quanto aos seus donos.
Às vezes a razão é tão pessoal, que chega a ser preconceituosa, ditadora e excludente.
Outras, ela parece impulsionar para situações que poucos imaginariam ser capazes de atingir, ou ter coragem de buscar.
Age, às vezes, como se fosse dona de tudo, porém é dona somente dela mesma.
Às vezes se faz juíza de todos. E, nós, réus confessos ou escandalosamente ocultos, com a cabeça a prêmio, somos levados à guilhotina da razão sempre que ousamos desobedecê-la.
Será que o inventor da razão deu a alguns o direito de se tornarem proprietários dela?
Eu confesso, às vezes, sou a razão em pessoa. Outras, sou puro instinto.
Entre ter razão e ser feliz eu escolho a Paz.

Das saudades que eu sinto...

Das saudades que eu tenho, somente as do futuro me permito sentir. As demais me causam aperto no peito e nao sou daquelas que cultivam o que faz doer. Certas vezes me flagro sentindo saudades de lugares que nunca fui mas que conheço como a palma da minha mão. Tratam-se de lugares sagrados, como o são todos os altares onde consagro minha existência, tirando felicidade de pedra. De onde correm leite, mel, suor e lagrimas de prazer. Em outras ocasiões me deparo com saudades de quem ainda nao conheci. Não conheço seu rosto, mas posso sentir de longe seu cheiro. Lembro daquela vez que ainda não dançamos juntos sob o luar, enquanto sussurrava poesias no meu ouvido. Do jeito que me olhará e da forma como suas mãos me tocarão com ar de quem conhece todos os meus atalhos. Sinto saudades de quando escreveremos a quatro mãos a crônica de nossa história, com um enredo repleto de preciosísmos e duplos sentidos e gargalhadas. Mas das saudades que eu sinto, a que mais sinto falta mesmo é dos dias em que não precisarei mais usar a fantasia, a máscara e as armaduras. Saudade é prato que se degusta acompanhado por taças de vinho. Com fé, quem sabe se consubstanciarão em redenção?

domingo, 25 de março de 2012

Tudo o que move é sagrado?

Vejo todos os dias, inerte, calada e como cúmplice covarde,  o sagrado sendo profanado. Animais mutilados e abandonados por idiotas e desequilibrados; madeireiros queimando criança indígena viva; monstros assassinos tirando das famílias o direito de conviver entre si e as obrigando a reiventar suas vidas tirando forças de onde nem sabem que têm;  e enxurradas levando pontes, casas, anos de trabalho em prol do bem estar dos seus sem contar as vidas que vão para os ralos do descaso, da corrupção, da irresponsabilidade e da maldade pura.
Já denunciavam as Escrituras que a "natureza geme e sofre como dores de parto".  Ao testemunhar a chuva caindo imagino as lágrimas da natureza descendo devastadoras.

E assisto calada ao espetáculo da destruição do templo da vida - a natureza - sendo violado  e profanado.

Já dizia o filho do dono do mundo, daquele que tudo criou, que com apenas um sopro seria capaz de destruir em segundos o templo que levou tantos e tantos anos para ser construído.

Hoje presenciamos o sopro do descaso devastando com a mesma rapidez tudo que tem pela frente, como no Morro do Bumba, na Região Serrana e agora em Campos, a rica região campeã de arrecadação de royalties de petróleo.

Antes que seja tarde, penso ser necessária uma mudança de atitude mais do que urgente, nem falo mais sobre o profanadores, apenas, mas sobre os cúmplices também, nós que assistimos e nada fazemos. Penso ser necesária uma reparação urgente, um grande e real ato de desagravo.

A viagem dos sonhos

Por um instante, não usarei vestes de luta. Pendurarei capa e chapéu.
A lança e o escudo, encostarei em um canto qualquer.
Abrirei mão das máscaras de ferro e andarei nua sob o luar.
Deixarei a brisa bater no rosto, o vento esvoaçar os cabelos...
Sentirei a areia na sola dos pés e a água do mar lavar minha alma...
Estenderei as mãos e tocarei o infinito.
Sem pudor, sem temor, sem perguntas e nem respostas.
Apenas com uma gana imensa de abraçar a vida.
Com a boca cheia d'água, sentirei o gosto do mundo..
Degustarei o planeta e depois lamberei os dedos de satisfação.
Farei dos gemidos uma música, dos sussurros poesias, dos passos um balé e das gargalhadas sinfonia.
Com as lágrimas, me banharei.
Com os espinhos, farei canteiros.
Dos cacos, colarei mosaicos.
Com as pedras, construirei degraus.
E, nos buracos, esconderei tesouros.
Carregarei quem eu quiser comigo.. posso escolher a companhia de jornada.
Fecharei os olhos e viajarei até o Japão.
No caminho, sem cercas e sem limites, não haverá placas também.
Fecharei os olhos... e sorrirei... um sorriso tão largo que quase engolirei a terra...
Matarei minha sede nas Cataratas do Iguaçu...
Desbravarei as fronteiras num estalar de dedos.
Darei a volta ao mundo num barquinho de papel...e o carregarei na palma da mão.
Talvez faça dele pingente para pendurar em um colar.
Se cansar, pararei... e repousarei em nuvens acompanhada por anjos...
Pendurar-me-ei na cauda de um cometa...
Viajarei até a lua e debruçarei sobre ela..
Do alto, observarei o vai e vem da vida.
Depois de dançar com São Jorge e pisar na cabeça do dragão, pendurarei-me na corda do meu pensamento e voltarei nas asas da minha imaginação.
Na chegada, vestirei a roupa, pois são necessários ritos.
Trarei uma relíquia da jornada e guardarei, em uma caixa, o mapa da viagem. 
No rótulo, a inscrição: Aqui há sonhos, porque aqui há vida.




sexta-feira, 23 de março de 2012

Eu queria ter um guindaste

Se pudesse me dedicar a outra atividade profissional gostaria de ser proprietária de uma empresa de guindaste. Ah, os guindastes! Não sei que fascínio é esse que exercem sobre mim. De longe, me chamam a atenção. E, quanto maiores, mas me atraem. No primeiro momento, me remetem à infância e brincam com minha imaginação. Fazem-me lembrar daqueles gigantes japoneses que salvavam o planeta dos ataques dos monstros alienígenas, como o Spectreman e o Ultraman.
Saudosismo à parte, a ideia de operar um guindaste me impregna de poder. É como se com uma simples manobra comandada por minhas mãos eu pudesse erguer pessoas, projetos, vidas, sonhos ou mesmo o mundo.
A imagem de um guindaste remete ao meu cérebro a ideia de gerúndio: construindo, desenvolvendo, produzindo, concretizando...
Guindastes são familiares para mim. Embora nunca tenha tocado em um deles, os guindastes têm um caráter paternal a meu ver.
Sim eu gosto de guindastes. Há quem olhe para eles e só veja uma parafernalha de estruturas de ferro ou metal. Eu vejo vida, vejo sonho, vejo passado e vejo futuro.
Quando eu crescer, eu gostaria de ter um!

terça-feira, 20 de março de 2012

Se faz outono

Não foi difícil para Alice perceber que já se fazia outono. Tão longe quanto seus olhos pudessem alcançar, percebia o chão forrado pelas folhas secas que já haviam cumprido sua missão. Lembravam um tapete cinza maltratado por tanto uso. Caminhar sobre ele provocava ruídos que em nada faziam Alice lembrar das canções que embalaram os verões.  Caminhar  sobre aquele tapete áspero a fazia recordar que não importavam sob quais caminhos teria que pisar, não importavam sob quais canções teria que seguir, independente de tudo,  a busca não poderia parar.
Para Alice, que amava o azul, ver o mundo vestido de cinza a incomodava, mas também a ensinava que nem só de cores vive-se no mundo. O outono a educava. Já não existiam mais ramos nas até então frondosas árvores.  Somente galhos tão inóspitos, tão aparentemente sem vida, onde não cantavam mais os bem-te-vis, as andorinhas não faziam mais verão e nem os populares pardais davam o ar de sua graça. Havia silêncio no ar.
O mar que outrora hipnotizava de esplendor, que com como espelho refletia o azul majestoso dos céus, agora era cinzento. Olhar fixo para suas águas podia iludir que estivesse morto. É que o cinza, por sua neutralidade, permite que se pinte sobre ele a ilusão que quiser ou que vier.
Alice se sentia só. Não havia mais o azul do céu, nem do mar, nem a companhia dos pássaros, nem a sobra das árvores. Fazia-se outono!
Alice precisava ver todos os dias a alvorada de pássaros migrando no mesmo compasso e harmonia em busca de outros azuis. Os pássaros estão sempre em busca, assim como Alice. Vão todas as manhã para terras onde acreditam encontrar ramos e frutos, e voltam mais tarde para seus bosques desnudos, até que a terra gire e devolva suas cores d’antes.
Pássaros sabem que estações mudam,  que não se pode parar, que é preciso cantar, que não se vive sozinho e que tudo passa.
Alice vestiu-se de outono, uma espécie de luto pelas folhas que secaram, pelo azul que se foi e pelas flores que não via.
O outono a educava. E Alice fazia questão de lembrar que era preciso que folhas morressem para que outras brotassem Que era necessário que frutas caíssem, morressem, para adubar o chão e germinar novas árvores...e que o cinza  era preciso para que novos desenhos fossem coloridos.
Até as lágrimas de Alice tinham serventia no outono. Irrigavam o chão seco. Nesses meses, Alice se reiventava, com a serenidade de quem sabia que ainda terá o inverno pela frente. Noites frias, muito frias, ainda virão... E era preciso reservar forças.
Alice sabia que a primavera e o verão ainda voltariam, mas que, até lá, teria que caminhar sobre as folhas secas.
Para Alice, que não gostava do que fosse morno e que não admirava o que fosse neutro, enfrentar o outono era desafiar suas capacidade de adaptação e de reinvenção de si mesma.
Mas Alice era valente. Enquanto as estações não mudassem e a lua cheia não mais se projetasse exuberante no céu nebuloso de outono, trataria de colorir seus dias e noites com as cores que lhes eram permitidas.
Lágrima no barro fazia-se corante vermelho. Bom para colorir rosas. Suor no limo, tinham-se tons de verde. Bons para desenhar folhas....  E, assim, a busca continuaria por novas cores.
Pois é preciso colorir os dias cinzas de outono, com a certeza de que a terra gira e logo voltará a se fazer primavera em sua vida.

Valéria Aguiar

sexta-feira, 16 de março de 2012

Rosa tinha fome do mundo

Uma fome devoradora de experimentar o gosto do mundo. Fechava os olhos e provava o planeta. Esquecia, às vezes, que gula é pecado capital e que o exagero provoca náuseas.
Se a situação era doce, Rosa supunha afeto. Um gosto que satisfazia sua mente, o corpo, mas que, em demasia, podia enjoar.
Em caso de gosto muito azedo, sem fazer cara feia, Rosa misturava vodka, açúcar e gelo, e permitia-se um porre de satisfação.
Havia momentos que o amargo a dominava. Mas Rosa acreditava que esse gosto a educava. Fazia dar valor ao doce. Além de encher sua boca d’água.
Rosa também estava pronta para experimentar os gostos os salgados, os temperados, os insossos ...
Por hora, o gosto que a domina é o de liberdade. Bebe-o numa xícara de chá. Só faltam a torrada, a geleia e o requeijão.

A Descoberta

E eu, que mal sabia o que queria, me vi obrigada a descobrir o que precisava. E não estava longe. Era justamente do milagre de me saber viva que eu necessitava a cada instante. Era do poder de ser dona de mim e das minhas escolhas que eu havia de me tomar sempre. Era do prazer de desvendar cada manhã sem pudor e com a fome das feras que eu me alimentava. E era da estranha magia de reinventar minha história sempre que precisasse que eu me movia. E, assim, eu fui e vou, apenas com meu farnel nos ombros, com meus versos rabiscados e com trechos de canção para me embalar que sigo. Quem quiser vir comigo, vamos embora, porque o tempo tem pressa e não espera. E eu tenho muito ainda que amar.

Valéria Aguiar

quinta-feira, 15 de março de 2012

Uma paixão assim...

Hoje eu senti uma paixão tão grande por Deus, que me deu vontade de abraça-lo. Um impulso de beijar seus pés,  lavá-los com minhas lágrimas, enxuga-lo com meus cabelos e perfumá-lo com aroma das rosas do meu jardim.
Onde está Deus para que eu possa alcança-lo?  Por aÍ, por aqui, em toda parte?
Posso vê-lo, sim, o vejo perfeitamente, no rosto dos meus filhos. Que explicação teria para o milagre e honra me concedidos de ser mãe desses anjos, se não a infinita misericórdia desse Deus que habita neles?
Vejo Deus nas minhas cachorrinhas que conhecem de longe o barulho dos meus passos. Que me distinguem mesmo se eu estiver no meio da multidão. Que quase me derrubam de alegria quando chego em casa. São tão dependentes de mim e parecem gostar tanto disso! Como fazem questão de demonstrar sua devoção!
Vejo Deus nos companheiros de trabalho que confiam em minhas ideias, que mergulham nelas, que vibram com os resultados, que lamentam quando algo dá errado, que aturam os defeitos, mas que se comprazem da missão compartilhada.
Vejo Deus na casa que construi com o suor do meu rosto e com as bênçãos que vêm dos céus. É meu oásis, meu pedaço de céu, minha toca, abrigo das minhas crias.
Vejo Deus nos amigos queridos que fazem questão de demonstrar seu carinho, seu respeito, sua fidelidade. Quem não cobram pela ausência, que entendem a distância e que percebem quando preciso de colo.
Vejo Deus agora em cada pessoa que doa seu tempo precioso para ler essas palavras, fruto de uma declaração apaixonada de uma criatura por seu criador.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sou folha de papel (crônica de um engarrafamento)

Da janela do carro vejo um pedaço de papel que flutua por entre o fluxo congestionado e congestionante da hora do rush. A brisa bate e a folha sucumbe, alterando a direção.
 A motocicleta que costura o trânsito fazendo vento e ruído modifica mais uma vez o rumo.
Na outra mão, livres e fluindo velozes, automóveis possantes, alheios aos limites que imperam do outro lado, passam como rojões.
A folha voa alto agora, como se ejetada para a liberdade das alturas. Ao pairar, lembra uma garça a observar os reféns enclausurados das quatro paredes de aço.
Observo que, lentamente, vai repousando. Momento de calmaria. Que sensação libertadora a de poder voar.
Mas, cuidado, está caindo, e os monstros de aço podem esmaga-la.  Adeus vôo, adeus liberdade momentânea.
Que limite enfim entre o êxtase e o fim.
Lá se foi uma imagem... era minha miragem no deserto do engarrafamento em que me encontro.
Sinto-me um pouco folha de papel.
Vou e volto conforme as intempéries do tempo, dos outros, da máquina...
Mas, espera! Se sou papel, não quero ser como a folha sem rumo, esmagada pelo tráfego da vida.
Antes, pegarei uma caneta e escreverei um enredo envolvente. Com direito à trilha sonora que hora acalenta e hora impulsiona.
Sou papel e sou protagonista. Sou autora e sou personagem.
Você quer me ler?

Companhia dos anjos

Gosto da companhia dos anjos. São companheiros fieis. Nao economizo no meu direito de chamar por eles. Na alegria, comemoraram comigo. Na aflição, se ajoelham por mim. Acho que as criaturas que mais se assemelham aos anjos são os cães. Aquela expressão usada nos casamentos "na saúde e na doença, na alegria e na tristeza" se aplica bem a duas classes de criaturas: das mães para os filhos e dos cães para seus donos.

terça-feira, 13 de março de 2012

Sucumbir-se

Até a última gota, até o último segredo, até o último suspiro.

Arriscar-se, sucumbir-se, mergulhar em profundezas...

Viajar até o outro lado do planeta, avançar fronteiras, derrubar muros.

Olhar o mundo vermelho, brincar de fantasiar...

Deixar-se embalar pela mais pura poesia.

Experimentar sabores novos, de saquê a marrom glacê.

Com temor. Mas, com fervor.

Sem pudor. Mas com doçura.

Um daqueles roteiros de filme que nunca poderia se imaginar.

Sem “The End”. Simplesmente porque nem início se teve.

Não começou e nem vai terminar. Somente vai se sentir.

Ah, vida! Seu nome também é Surpresa.

sábado, 10 de março de 2012

Mosaicos

Aprecio, em muito, os mosaicos:

Cacos soltos que um dia foram um todo.

Agrupados, colados, formam nova identidade.

Já não são mais cacos, mas obra de arte artesanal.

Que lindos são os mosaicos. É possível apreciar cada caquinho.

... Nenhum sequer perde a forma única, mas se presta e se empresta a construir coisa nova.

Uns são angulares, outros, apenas, peças.

Sem quebrar-cabeças, sem ordem definida.

Simplesmente, peças, e múltiplas, e mágicas.

Porém, mais lindo que os cacos e que o próprio mosaico em si são as mãos de quem se propõem formá-los.

Vida de Mosaico... Que arte.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Um brinde de outro mundo


Hoje senti vontade de beber, mas não uma bebida qualquer.

Queria beber um rio...ou um oceano, sei lá.

Uma bebida com gosto de infinito, de liberdade...

Um pouco apimentada, como as tempestades em alto mar...

Mas que se misturasse com paladar doce, como as marés em noites enluaradas...

Se pudesse reunir em uma taça todas as bebidas do mundo, com todos os seus sabores, todos os seus exóticos ingredientes, todos os seus aromas e todas as suas nuances...

Uma bebida que embriagasse somente alma...

Que não me fizesse entortar as pernas, mas os sentimentos...

A taça está preparada.... À espera do grande brinde... Eu, o oceano e o luar...

Uma pena, por favor! (Eu tenho fome de quê?)

Hoje, o que eu mais queria era ter uma pena. Um sentimento que me causasse dor, que me deixasse estática, resignada e de mãos lavadas? Ou uma ferramenta que me permitisse redigir palavras de indignação, capazes de se transformarem em motor propulsor de transformação?



Onde encontrar essa pena que, ao contato com o nanquim da mais íntima essência da minha humanidade, produziria uma alquimia com poderes para tirar da inércia do sofá do conformismo a todos nós telespectadores que assistimos mudos ao espetáculo da morte? Não uma morte qualquer, daquelas ditas naturais, quando o sujeito nasce, cresce e descansa em paz, amém. Mas uma morte daquelas em que o suijeito é oculto pela fome de poder e ganância do mundo.



Qual será a maior fome? A que mata ou a que faz morrer? A fome que alimenta os cofres dos bancos mundiais e as cotações das ações nas bolsas de valores (que valores? os humanos?) Ou a fome que dizima crianças raquíticas que só conheceram como brinquedos ossos dos animais que seus pais tentaram criar, na esperança falida de um dia transformar em banquete? Hoje são só ossos secos nas mãos de pequenos que nunca tiveram um boneco, mas que cumprem o papel de soldadinhos. São ossos do ofício? Do ofício da condenação? Pelo menos alguém, os animais, cumpriram um papel que não fosse o de carrasco.


Conseguiria minha pena escrever o epitáfio dos homens e mulheres que nunca foram apresentados ao resto do mundo dito “civilizado” e que os condenou, primeiro, à escravidão das senzalas, dos troncos e do chicote, e, agora, à da miséria dilacerante da fome?


Oh, que miséria a minha! Sinto uma fome de indignação suficiente para com minha pena escrever uma história nova, em que os personagens não sequem mais de desnutrição, doenças curáveis e fome. Em que os leitores não sequem mais de desprezo e alienação e conformismo.


Será que se eu misturar as lágrimas que derramei ao ver o êxtase e euforia provocados pela bola levada por uma seleção de jogadores do mundo “civilizado’ ao pó do chão árido em que sobrevivem, produziria o nanquim que preciso? Algo me diz que não era o futebol simplesmente o responsável pelo sorriso largo cheio de dentes que raramente mastigam comida, mas a “bola” que aparentemente e mentirosamente o mundo parecia estar dando para aquele ponto renunciado do planeta. Se o mundo é uma bola, em que ponto dessa circunferência está localizada a dignidade dessa gente negra? No ponto morto?

É tão cômodo preferir não olhar para não estragar o dia! É tão mais simples alegar não ter estômago para ver gente morrendo faminta com o estômago devorando o fígado! É tão mais lucrativo não dar manchete porque não vende jornal!

Quem me dera, minha pena pudesse salvar o mundo da covardia e resignação. Enquanto isso, por favor, me empreste uma pena, para que eu possa escrever, na esperança de que minhas palavras se transformem, um dia, em pedaços de pão.
Por Valéria Aguiar

quinta-feira, 8 de março de 2012

Poesia é ousadia para poucos

Quando quero gritar, leio poesias...

Os versos, ai os versos, falam tão alto, que minhas entranhas escutam, minhas fronteiras se abrem e meus ocultos se revelam...

Se quer me arrepiar, recite...

Misto de instinto, de reflexo, de espectro de sublimidade.

Se a intenção é fazer rir à toa, declame...

Arriscar-se na mais ousada aventura, onde só se chega montado em versos, é ousadia para poucos.

Com licença, necessito de carona agora.

Pessoa, Drumond, Coralina, tem lugar para mim na comitiva?

Eu não abro mão

Se tem uma coisa da qual eu não abro mão como mulher, é do direito de ser mulher com todas as suas nuances, vertentes, incoerências, mistérios, resistências, sensibilidades e, porque não?, fragilidades...

Tem mulher que, apesar de feminina, não gosta de ser mulher. E, eu respeito.

Ser do tipo mulherzinha, que faz charme, que gosta de cavalheirismo, que adora ganhar flores, que se enfeita até para dormir, que faz de certas situações simples verdadeiros eventos com direito à luz de velas, champagne e festa. Que aprecia e guarda como relíquias pequenos objetos, que para muitos seria lixo, como o amante de vinhos preserva a melhor garrafa de sua adega...

Mas eu gosto muito mesmo é de ser mulher. Não sei se vêem isso com bons olhos. Tudo bem, eu respeito.

Só que, na selva, fragilidade deve ser camuflada, para não ser devorada. É a lei da sobrevivência. A expressão popular às avessas vale para mim: “cordeiro em pele de loba”. Portanto, não espalhem por aí a minha mansidão...

Da existência feminina, o que eu tive mais pressa e prazer foi do direito de ser mãe.

De segunda à sexta, uma leoa à caça do sustento da prole. Nos finais de semana, uma coruja de olhos arregalados para admirar, cuidar, educar...

Mesmo exausta da labuta do dia a dia, não tenho o menor pudor de pesquisar na rede uma nova receita a cada fim de semana. Que delícia é vê-los ao redor da mesa degustando o meu carinho, saciando-se do meu amor e sorrindo satisfeitos...

Fico tão prosa ao ver como fazem questão da minha compania no cinema, nas rodas de War, na pizzaria ou nos desafios das trilhas desvendando cachoeiras e outras paisagens paradisíacas. Gosto quando me ajudam a vencer obstáculos e os recompenso não desistindo de nenhum deles. Enquanto admiram o cenário do alto, após a longa jornada cheia de percalços, eu fico só apreciando a mais fantástica das cenas: os frutos das minhas entranhas fazendo do mundo mais deslumbrante...

Na academia, me esforço para fazer bonito e eles me apresentam para os amigos orgulhosos. Que bom quando a turma sugere: "chamem sua mãe para ir com a gente".

Visto-me de forte quando me confidenciam o que nunca pude falar quando tinha a idade deles. Quando me elegem para esclarecer as mais desafiadoras transformações que a vida causa, disfarço o meu constrangimento e respondo com uma máscara de segurança .

Se tempo é questão de preferência, está aí a minha.

E, por enquanto, não abro mão de nenhum um segundo disso.

E, em tempos modernos, onde o conceito e formação da família núcleo da sociedade não são mais o mesmo de outrora, dou-me por satisfeita com a que fui agraciada de formar. Não tem algumas figuras tradicionais, e daí? Em compensação, tem outros elementos que, por Deus, nem se eu tentasse adivinhar lá atrás, nunca poderia imaginar que algum dia eu teria o privilégio de comandar...

Se sobra tempo para ser mulher? E o que é isso senão a mais nobre realização que minha condição feminina me permite?

quarta-feira, 7 de março de 2012

Bom dia, Pessoa

Lendo Pessoa esta manhã, não qualquer pessoa, mas o Fernando, aquele que sabe ser tantas pessoas em uma só; que sabe como ninguem ler a alma das pessoas; pude viajar melhor pela minha própria pessoa e por mistérios que envolvem a alma das milhões de pessoas que povoam esse planeta redondo. Ah! Como o Misterioso pode provocar tanto encantamento! Como o que é distante pode causar tanta atração! Porém, Pessoa, você mesmo, o Fernando, me permita a ousadia. Costumo amar muito também o quê penso ser meu. Tenho a mania de devorar com a fome dos famintos as possibilidades que a vida me traz de bandeja, para ser merecedora delas. Muito prazer Pessoa, meu nome é intensidade. Bom dia, pessoas.
Valéria Aguiar

Enquanto isso, na pedreira....

Por favor, não me apresse, pressione ou me condene. Tenho muitas pedras a retirar. Vou construir minha ponte, custe o que custar. Do lado de lá, minhas respostas me aguardam.

Sim, algumas são pesadas, outras ponteagudas e outras desajeitadas. Mas têm aquelas lindas para colecionador guardar, exóticas e até sugestivas.

Se quiser me ajudar, será bem vindo. Caso c...ontrário, não tem problema. Minha jornada é mesmo solitária. Se as pedras me acompanham? De jeito algum. As rosas, os pássaros e os rios sim.

Enquanto passeio, enquanto choro ou sorrio, enquanto vivo... Vou retirando as pedras e construindo a ponte. Se as guardo para mim? De jeito algum. Pedras só servem para construir. Nunca para atirar ou carregar. Pedras pesam....

segunda-feira, 5 de março de 2012

Hoje, não levantei, mas me prontifiquei

Hoje é o mais importante dos dias. O melhor de todos. O mais esperado. Simplesmente porque é o que está ao alcance das mãos. O mapa da felicidade.

Já, o amanhã, esse não tem dono.

Hoje não levantei, mas me prontifiquei. Tão intensa quanto queda de cachoeira. Mas, mansa, feito filhote de onça pintada que acaba de ver a luz do dia.

Com gosto de suco de fruta refrescante em dia escaldante de verão. E ardente como língua queimada depois de capuccino à beira da lareira.

Uma mistura de tudo. Fisgada de faca bem afiada, curada com beijo de mãe.

Dor de barriga depois de fartura de doce de leite.

Vontade de lamber os dedos como quem quer mais.

Viagem para além da lua em foguete de fantasia.

Negra pérola rara em ostra escondida em profundezas.

Último resquício de água disputado com dromedários.

A mais sedutora das maçãs no pé.

Em busca da salvação. O resgate, a única chance, a melhor de todas.

Nem um pouco morna, nada de “mais ou menos”, de temor ou de pudor.

Entregue irrestritamente, eloquentemente.

Embriagada depois do mais disputado vinho, mas alerta como a hárpia majestosa.

Toque minucioso em pontos de acupuntura.

O Êxtase, o incomparável, o impensável...

Poesia de Fernando Pessoa, letra de Cartola, sinfonia de guitarra, pintura de Picasso, filme de Kurosawa, balé no Lago dos Cisnes...

Assim amanheci hoje. E quando o Amanhã se tornar Hoje também, tudo se repete.

Feliz Hoje para você.

Valéria Aguiar

domingo, 4 de março de 2012

O desabafo de Maria

 Maria não tinha mais paciência para enigmas e nem pessoas enigmáticas. Não estava disponível para amizades e nem outro tipo de relacionamento que exigissem jogos e estratégias. Não estava disposta a ter que ler em branco, ouvir no silencio, traduzir rabiscos e indiretas, fazer chover no molhado, dar nó em pingo d'água, muito menos estava apta a lidar com ilusionistas, cuspidores de fogo, palhaços e andadores de corda bamba. Maria estava na fase de Descomplicar. Queria transparência, objetividade, autenticidade, distância de hipocrisia e frescuras. Portanto não esperem de Maria uma cara de satisfeita quando estiver irritada; não esperem que ela finja não querer se ela estiver com vontade; que demonstre ingenuidade se estiver entendendo tudo. Não esperem que ela puxe saco por interesse, que deixe de falar ou fazer por medo; que ande de cabeça baixa mesmo se estiver fragil. Se isso é uma indireta? Não, Maria decidiu não mandar mais recados. Cumpre apenas. Ela custa a desistir de algo ou de alguém. Prefere esgotar possibilidades para garantir sua consciência tranqüila. Mas quando Maria enjoa, ela evapora. Culpada, Maria? Que atire a primeira pedra quem não tiver culpa....

Valéria Aguiar

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Resignação

Cansada de esperar por quem a resgatasse da tempestade, deixou-se boiar ate restabelecer as forcas e salvar-se a si mesma ou de si mesma. Porque as vezes ser forte é se entregar à calmaria, à fragilidade e à resignação. Doce paz traz à alma a aceitação depois de esgotadas as forcas.

A verdadeira despedida


Hoje eu fui a um funeral. E, como sempre, saí renovada de lá. Aliás, sempre vou a funerais de pessoas conhecidas. Primeiro porque tenho medo de que, no meu, ninguém vá consolar meus filhos. Segundo, porque acredito que não conhecemos as pessoas à toa. Tudo tem uma razão de ser. Em um mundo com cerca de sete bilhões de terráqueos, porque Deus permitiu que eu conhecesse justamente aquele que acaba de morrer?
No mínimo, tal ente merece minha reverência e não há homenagem mais honesta do que ir a um funeral. É triste, desolador, incômodo, enfim, deprimente. Quem vai, com certeza, tem boa intenção.
Funerais também me impressionam pela logística. Parecem até óperas ou espetáculos teatrais, com todo respeito. Tem drama, tem lágrimas, tem mocinha, tem música, tem enredo, tem plateia, tem aplausos e, acreditem, tem vida.
“Minha filha, saudades eternas”. Li essa mensagem em uma lápide durante o cortejo e chorei. Fiquei tão comovida com a tristeza daquela mãe que nem sei quem é; se ainda está viva; em que condições perdeu sua filha; se era criança ou adulta... Entendo seu drama e rezei por ela. Se ela já tiver morrido, a oração deve ser redirecionada para alguém que precise.
Conforme segue o cortejo, as fotos de todas aquelas pessoas mortas parecem nos seguir e nos lembrar que um dia estaremos naquele lugar e que, portanto, temos que aproveitar o tempo que nos resta. Amar muito, perdoar muito, não perder tempo com futilidades e escrever uma história digna de um epitáfio que emocione quem passar por lá.
Muitas dúvidas pairam sobre os participantes de um funeral. Uma das primeiras é sobre onde colocar as mãos. Ficamos tão pasmos diante daquela situação! Parece que nunca ninguém está preparado para enfrentar e mal sabemos como nos portar. Na maioria das vezes, a opção é abraçar quem estiver mais perto. Salva a si mesmo e ainda consola o outro.
Outra dúvida é sobre o quê dizer para os familiares. Muitas vezes, falam-se sandices, como por exemplo, perguntam-se: “oi, tudo bem?”
Essas ocasiões são excelentes oportunidades para reencontrar pessoas que não vemos há anos, como aquela tia de terceiro grau; a vizinha que se mudou; os primos que só conhecemos quando crianças. Colocam-se o assunto em dia e ensaiam-se até alguns sorrisos.
Nos funerais, viúvas se tornam protagonistas, coitadas. Não podem nem sofrem em paz, porque ninguém tira o olho delas. Os presentes olham com piedade, mas também como se vigiando para saber se estão realmente sofridas, se ainda têm charme suficiente para um novo casamento, se o figurino está adequado para a ocasião...  Quanta futilidade passa pela cabeça das pessoas enquanto estão em funeral! Mas também passam reflexões decisivas.
Estranho quando alguém diz que não vai a velórios e enterros porque não gosta, não se sente bem ou vai ficar impressionado. Será que é diferente para alguém? É óbvio que enterros são tristes, ninguém gosta, se sente bem ou deixa de ficar impressionado. Ninguém vai a funeral porque gosta, mas porque precisa. Exercício de solidariedade aos familiares, homenagem aos mortos e principalmente reflexão de que um dia chegará a nossa vez e, portanto, é bom nos preparamos.
Impressiona também a beleza das coroas de flores e das mensagens escritas. Porém, que pena, são sepultados com o cachão. Percebi que em muitas sepulturas havia flores de plásticos. Talvez, os veteranos na experiência de enterrar seus mortos optem pelas flores de plástico porque sabem que elas não morrem jamais.
Se quisesse, escreveria aqui vários detalhes que me impressionam nos funerais, mas vou terminar destacando um. Como em nenhum outro evento, nos funerais, as pessoas deixam os sentimentos mais sinceros fluirem sem pudor algum.
Ocasião propícia para dizer “até logo” ao que parte para a nova jornada. A verdadeira separação, como disse uma pessoa querida, mas momentânea separação.
Sinto cheiro de vida nos funerais. Saio deles com uma vontade enorme de viver.
O mais espetacular de tudo é ver como as pessoas que perdem seus entes queridos conseguem reiventar sua história de vida. Afinal de contas, a vida continua e o espetáculo não pode parar.
Bravo! Bravo!