domingo, 25 de março de 2012

Tudo o que move é sagrado?

Vejo todos os dias, inerte, calada e como cúmplice covarde,  o sagrado sendo profanado. Animais mutilados e abandonados por idiotas e desequilibrados; madeireiros queimando criança indígena viva; monstros assassinos tirando das famílias o direito de conviver entre si e as obrigando a reiventar suas vidas tirando forças de onde nem sabem que têm;  e enxurradas levando pontes, casas, anos de trabalho em prol do bem estar dos seus sem contar as vidas que vão para os ralos do descaso, da corrupção, da irresponsabilidade e da maldade pura.
Já denunciavam as Escrituras que a "natureza geme e sofre como dores de parto".  Ao testemunhar a chuva caindo imagino as lágrimas da natureza descendo devastadoras.

E assisto calada ao espetáculo da destruição do templo da vida - a natureza - sendo violado  e profanado.

Já dizia o filho do dono do mundo, daquele que tudo criou, que com apenas um sopro seria capaz de destruir em segundos o templo que levou tantos e tantos anos para ser construído.

Hoje presenciamos o sopro do descaso devastando com a mesma rapidez tudo que tem pela frente, como no Morro do Bumba, na Região Serrana e agora em Campos, a rica região campeã de arrecadação de royalties de petróleo.

Antes que seja tarde, penso ser necessária uma mudança de atitude mais do que urgente, nem falo mais sobre o profanadores, apenas, mas sobre os cúmplices também, nós que assistimos e nada fazemos. Penso ser necesária uma reparação urgente, um grande e real ato de desagravo.

A viagem dos sonhos

Por um instante, não usarei vestes de luta. Pendurarei capa e chapéu.
A lança e o escudo, encostarei em um canto qualquer.
Abrirei mão das máscaras de ferro e andarei nua sob o luar.
Deixarei a brisa bater no rosto, o vento esvoaçar os cabelos...
Sentirei a areia na sola dos pés e a água do mar lavar minha alma...
Estenderei as mãos e tocarei o infinito.
Sem pudor, sem temor, sem perguntas e nem respostas.
Apenas com uma gana imensa de abraçar a vida.
Com a boca cheia d'água, sentirei o gosto do mundo..
Degustarei o planeta e depois lamberei os dedos de satisfação.
Farei dos gemidos uma música, dos sussurros poesias, dos passos um balé e das gargalhadas sinfonia.
Com as lágrimas, me banharei.
Com os espinhos, farei canteiros.
Dos cacos, colarei mosaicos.
Com as pedras, construirei degraus.
E, nos buracos, esconderei tesouros.
Carregarei quem eu quiser comigo.. posso escolher a companhia de jornada.
Fecharei os olhos e viajarei até o Japão.
No caminho, sem cercas e sem limites, não haverá placas também.
Fecharei os olhos... e sorrirei... um sorriso tão largo que quase engolirei a terra...
Matarei minha sede nas Cataratas do Iguaçu...
Desbravarei as fronteiras num estalar de dedos.
Darei a volta ao mundo num barquinho de papel...e o carregarei na palma da mão.
Talvez faça dele pingente para pendurar em um colar.
Se cansar, pararei... e repousarei em nuvens acompanhada por anjos...
Pendurar-me-ei na cauda de um cometa...
Viajarei até a lua e debruçarei sobre ela..
Do alto, observarei o vai e vem da vida.
Depois de dançar com São Jorge e pisar na cabeça do dragão, pendurarei-me na corda do meu pensamento e voltarei nas asas da minha imaginação.
Na chegada, vestirei a roupa, pois são necessários ritos.
Trarei uma relíquia da jornada e guardarei, em uma caixa, o mapa da viagem. 
No rótulo, a inscrição: Aqui há sonhos, porque aqui há vida.




sexta-feira, 23 de março de 2012

Eu queria ter um guindaste

Se pudesse me dedicar a outra atividade profissional gostaria de ser proprietária de uma empresa de guindaste. Ah, os guindastes! Não sei que fascínio é esse que exercem sobre mim. De longe, me chamam a atenção. E, quanto maiores, mas me atraem. No primeiro momento, me remetem à infância e brincam com minha imaginação. Fazem-me lembrar daqueles gigantes japoneses que salvavam o planeta dos ataques dos monstros alienígenas, como o Spectreman e o Ultraman.
Saudosismo à parte, a ideia de operar um guindaste me impregna de poder. É como se com uma simples manobra comandada por minhas mãos eu pudesse erguer pessoas, projetos, vidas, sonhos ou mesmo o mundo.
A imagem de um guindaste remete ao meu cérebro a ideia de gerúndio: construindo, desenvolvendo, produzindo, concretizando...
Guindastes são familiares para mim. Embora nunca tenha tocado em um deles, os guindastes têm um caráter paternal a meu ver.
Sim eu gosto de guindastes. Há quem olhe para eles e só veja uma parafernalha de estruturas de ferro ou metal. Eu vejo vida, vejo sonho, vejo passado e vejo futuro.
Quando eu crescer, eu gostaria de ter um!

terça-feira, 20 de março de 2012

Se faz outono

Não foi difícil para Alice perceber que já se fazia outono. Tão longe quanto seus olhos pudessem alcançar, percebia o chão forrado pelas folhas secas que já haviam cumprido sua missão. Lembravam um tapete cinza maltratado por tanto uso. Caminhar sobre ele provocava ruídos que em nada faziam Alice lembrar das canções que embalaram os verões.  Caminhar  sobre aquele tapete áspero a fazia recordar que não importavam sob quais caminhos teria que pisar, não importavam sob quais canções teria que seguir, independente de tudo,  a busca não poderia parar.
Para Alice, que amava o azul, ver o mundo vestido de cinza a incomodava, mas também a ensinava que nem só de cores vive-se no mundo. O outono a educava. Já não existiam mais ramos nas até então frondosas árvores.  Somente galhos tão inóspitos, tão aparentemente sem vida, onde não cantavam mais os bem-te-vis, as andorinhas não faziam mais verão e nem os populares pardais davam o ar de sua graça. Havia silêncio no ar.
O mar que outrora hipnotizava de esplendor, que com como espelho refletia o azul majestoso dos céus, agora era cinzento. Olhar fixo para suas águas podia iludir que estivesse morto. É que o cinza, por sua neutralidade, permite que se pinte sobre ele a ilusão que quiser ou que vier.
Alice se sentia só. Não havia mais o azul do céu, nem do mar, nem a companhia dos pássaros, nem a sobra das árvores. Fazia-se outono!
Alice precisava ver todos os dias a alvorada de pássaros migrando no mesmo compasso e harmonia em busca de outros azuis. Os pássaros estão sempre em busca, assim como Alice. Vão todas as manhã para terras onde acreditam encontrar ramos e frutos, e voltam mais tarde para seus bosques desnudos, até que a terra gire e devolva suas cores d’antes.
Pássaros sabem que estações mudam,  que não se pode parar, que é preciso cantar, que não se vive sozinho e que tudo passa.
Alice vestiu-se de outono, uma espécie de luto pelas folhas que secaram, pelo azul que se foi e pelas flores que não via.
O outono a educava. E Alice fazia questão de lembrar que era preciso que folhas morressem para que outras brotassem Que era necessário que frutas caíssem, morressem, para adubar o chão e germinar novas árvores...e que o cinza  era preciso para que novos desenhos fossem coloridos.
Até as lágrimas de Alice tinham serventia no outono. Irrigavam o chão seco. Nesses meses, Alice se reiventava, com a serenidade de quem sabia que ainda terá o inverno pela frente. Noites frias, muito frias, ainda virão... E era preciso reservar forças.
Alice sabia que a primavera e o verão ainda voltariam, mas que, até lá, teria que caminhar sobre as folhas secas.
Para Alice, que não gostava do que fosse morno e que não admirava o que fosse neutro, enfrentar o outono era desafiar suas capacidade de adaptação e de reinvenção de si mesma.
Mas Alice era valente. Enquanto as estações não mudassem e a lua cheia não mais se projetasse exuberante no céu nebuloso de outono, trataria de colorir seus dias e noites com as cores que lhes eram permitidas.
Lágrima no barro fazia-se corante vermelho. Bom para colorir rosas. Suor no limo, tinham-se tons de verde. Bons para desenhar folhas....  E, assim, a busca continuaria por novas cores.
Pois é preciso colorir os dias cinzas de outono, com a certeza de que a terra gira e logo voltará a se fazer primavera em sua vida.

Valéria Aguiar

sexta-feira, 16 de março de 2012

Rosa tinha fome do mundo

Uma fome devoradora de experimentar o gosto do mundo. Fechava os olhos e provava o planeta. Esquecia, às vezes, que gula é pecado capital e que o exagero provoca náuseas.
Se a situação era doce, Rosa supunha afeto. Um gosto que satisfazia sua mente, o corpo, mas que, em demasia, podia enjoar.
Em caso de gosto muito azedo, sem fazer cara feia, Rosa misturava vodka, açúcar e gelo, e permitia-se um porre de satisfação.
Havia momentos que o amargo a dominava. Mas Rosa acreditava que esse gosto a educava. Fazia dar valor ao doce. Além de encher sua boca d’água.
Rosa também estava pronta para experimentar os gostos os salgados, os temperados, os insossos ...
Por hora, o gosto que a domina é o de liberdade. Bebe-o numa xícara de chá. Só faltam a torrada, a geleia e o requeijão.

A Descoberta

E eu, que mal sabia o que queria, me vi obrigada a descobrir o que precisava. E não estava longe. Era justamente do milagre de me saber viva que eu necessitava a cada instante. Era do poder de ser dona de mim e das minhas escolhas que eu havia de me tomar sempre. Era do prazer de desvendar cada manhã sem pudor e com a fome das feras que eu me alimentava. E era da estranha magia de reinventar minha história sempre que precisasse que eu me movia. E, assim, eu fui e vou, apenas com meu farnel nos ombros, com meus versos rabiscados e com trechos de canção para me embalar que sigo. Quem quiser vir comigo, vamos embora, porque o tempo tem pressa e não espera. E eu tenho muito ainda que amar.

Valéria Aguiar

quinta-feira, 15 de março de 2012

Uma paixão assim...

Hoje eu senti uma paixão tão grande por Deus, que me deu vontade de abraça-lo. Um impulso de beijar seus pés,  lavá-los com minhas lágrimas, enxuga-lo com meus cabelos e perfumá-lo com aroma das rosas do meu jardim.
Onde está Deus para que eu possa alcança-lo?  Por aÍ, por aqui, em toda parte?
Posso vê-lo, sim, o vejo perfeitamente, no rosto dos meus filhos. Que explicação teria para o milagre e honra me concedidos de ser mãe desses anjos, se não a infinita misericórdia desse Deus que habita neles?
Vejo Deus nas minhas cachorrinhas que conhecem de longe o barulho dos meus passos. Que me distinguem mesmo se eu estiver no meio da multidão. Que quase me derrubam de alegria quando chego em casa. São tão dependentes de mim e parecem gostar tanto disso! Como fazem questão de demonstrar sua devoção!
Vejo Deus nos companheiros de trabalho que confiam em minhas ideias, que mergulham nelas, que vibram com os resultados, que lamentam quando algo dá errado, que aturam os defeitos, mas que se comprazem da missão compartilhada.
Vejo Deus na casa que construi com o suor do meu rosto e com as bênçãos que vêm dos céus. É meu oásis, meu pedaço de céu, minha toca, abrigo das minhas crias.
Vejo Deus nos amigos queridos que fazem questão de demonstrar seu carinho, seu respeito, sua fidelidade. Quem não cobram pela ausência, que entendem a distância e que percebem quando preciso de colo.
Vejo Deus agora em cada pessoa que doa seu tempo precioso para ler essas palavras, fruto de uma declaração apaixonada de uma criatura por seu criador.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Sou folha de papel (crônica de um engarrafamento)

Da janela do carro vejo um pedaço de papel que flutua por entre o fluxo congestionado e congestionante da hora do rush. A brisa bate e a folha sucumbe, alterando a direção.
 A motocicleta que costura o trânsito fazendo vento e ruído modifica mais uma vez o rumo.
Na outra mão, livres e fluindo velozes, automóveis possantes, alheios aos limites que imperam do outro lado, passam como rojões.
A folha voa alto agora, como se ejetada para a liberdade das alturas. Ao pairar, lembra uma garça a observar os reféns enclausurados das quatro paredes de aço.
Observo que, lentamente, vai repousando. Momento de calmaria. Que sensação libertadora a de poder voar.
Mas, cuidado, está caindo, e os monstros de aço podem esmaga-la.  Adeus vôo, adeus liberdade momentânea.
Que limite enfim entre o êxtase e o fim.
Lá se foi uma imagem... era minha miragem no deserto do engarrafamento em que me encontro.
Sinto-me um pouco folha de papel.
Vou e volto conforme as intempéries do tempo, dos outros, da máquina...
Mas, espera! Se sou papel, não quero ser como a folha sem rumo, esmagada pelo tráfego da vida.
Antes, pegarei uma caneta e escreverei um enredo envolvente. Com direito à trilha sonora que hora acalenta e hora impulsiona.
Sou papel e sou protagonista. Sou autora e sou personagem.
Você quer me ler?

Companhia dos anjos

Gosto da companhia dos anjos. São companheiros fieis. Nao economizo no meu direito de chamar por eles. Na alegria, comemoraram comigo. Na aflição, se ajoelham por mim. Acho que as criaturas que mais se assemelham aos anjos são os cães. Aquela expressão usada nos casamentos "na saúde e na doença, na alegria e na tristeza" se aplica bem a duas classes de criaturas: das mães para os filhos e dos cães para seus donos.

terça-feira, 13 de março de 2012

Sucumbir-se

Até a última gota, até o último segredo, até o último suspiro.

Arriscar-se, sucumbir-se, mergulhar em profundezas...

Viajar até o outro lado do planeta, avançar fronteiras, derrubar muros.

Olhar o mundo vermelho, brincar de fantasiar...

Deixar-se embalar pela mais pura poesia.

Experimentar sabores novos, de saquê a marrom glacê.

Com temor. Mas, com fervor.

Sem pudor. Mas com doçura.

Um daqueles roteiros de filme que nunca poderia se imaginar.

Sem “The End”. Simplesmente porque nem início se teve.

Não começou e nem vai terminar. Somente vai se sentir.

Ah, vida! Seu nome também é Surpresa.

sábado, 10 de março de 2012

Mosaicos

Aprecio, em muito, os mosaicos:

Cacos soltos que um dia foram um todo.

Agrupados, colados, formam nova identidade.

Já não são mais cacos, mas obra de arte artesanal.

Que lindos são os mosaicos. É possível apreciar cada caquinho.

... Nenhum sequer perde a forma única, mas se presta e se empresta a construir coisa nova.

Uns são angulares, outros, apenas, peças.

Sem quebrar-cabeças, sem ordem definida.

Simplesmente, peças, e múltiplas, e mágicas.

Porém, mais lindo que os cacos e que o próprio mosaico em si são as mãos de quem se propõem formá-los.

Vida de Mosaico... Que arte.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Um brinde de outro mundo


Hoje senti vontade de beber, mas não uma bebida qualquer.

Queria beber um rio...ou um oceano, sei lá.

Uma bebida com gosto de infinito, de liberdade...

Um pouco apimentada, como as tempestades em alto mar...

Mas que se misturasse com paladar doce, como as marés em noites enluaradas...

Se pudesse reunir em uma taça todas as bebidas do mundo, com todos os seus sabores, todos os seus exóticos ingredientes, todos os seus aromas e todas as suas nuances...

Uma bebida que embriagasse somente alma...

Que não me fizesse entortar as pernas, mas os sentimentos...

A taça está preparada.... À espera do grande brinde... Eu, o oceano e o luar...

Uma pena, por favor! (Eu tenho fome de quê?)

Hoje, o que eu mais queria era ter uma pena. Um sentimento que me causasse dor, que me deixasse estática, resignada e de mãos lavadas? Ou uma ferramenta que me permitisse redigir palavras de indignação, capazes de se transformarem em motor propulsor de transformação?



Onde encontrar essa pena que, ao contato com o nanquim da mais íntima essência da minha humanidade, produziria uma alquimia com poderes para tirar da inércia do sofá do conformismo a todos nós telespectadores que assistimos mudos ao espetáculo da morte? Não uma morte qualquer, daquelas ditas naturais, quando o sujeito nasce, cresce e descansa em paz, amém. Mas uma morte daquelas em que o suijeito é oculto pela fome de poder e ganância do mundo.



Qual será a maior fome? A que mata ou a que faz morrer? A fome que alimenta os cofres dos bancos mundiais e as cotações das ações nas bolsas de valores (que valores? os humanos?) Ou a fome que dizima crianças raquíticas que só conheceram como brinquedos ossos dos animais que seus pais tentaram criar, na esperança falida de um dia transformar em banquete? Hoje são só ossos secos nas mãos de pequenos que nunca tiveram um boneco, mas que cumprem o papel de soldadinhos. São ossos do ofício? Do ofício da condenação? Pelo menos alguém, os animais, cumpriram um papel que não fosse o de carrasco.


Conseguiria minha pena escrever o epitáfio dos homens e mulheres que nunca foram apresentados ao resto do mundo dito “civilizado” e que os condenou, primeiro, à escravidão das senzalas, dos troncos e do chicote, e, agora, à da miséria dilacerante da fome?


Oh, que miséria a minha! Sinto uma fome de indignação suficiente para com minha pena escrever uma história nova, em que os personagens não sequem mais de desnutrição, doenças curáveis e fome. Em que os leitores não sequem mais de desprezo e alienação e conformismo.


Será que se eu misturar as lágrimas que derramei ao ver o êxtase e euforia provocados pela bola levada por uma seleção de jogadores do mundo “civilizado’ ao pó do chão árido em que sobrevivem, produziria o nanquim que preciso? Algo me diz que não era o futebol simplesmente o responsável pelo sorriso largo cheio de dentes que raramente mastigam comida, mas a “bola” que aparentemente e mentirosamente o mundo parecia estar dando para aquele ponto renunciado do planeta. Se o mundo é uma bola, em que ponto dessa circunferência está localizada a dignidade dessa gente negra? No ponto morto?

É tão cômodo preferir não olhar para não estragar o dia! É tão mais simples alegar não ter estômago para ver gente morrendo faminta com o estômago devorando o fígado! É tão mais lucrativo não dar manchete porque não vende jornal!

Quem me dera, minha pena pudesse salvar o mundo da covardia e resignação. Enquanto isso, por favor, me empreste uma pena, para que eu possa escrever, na esperança de que minhas palavras se transformem, um dia, em pedaços de pão.
Por Valéria Aguiar

quinta-feira, 8 de março de 2012

Poesia é ousadia para poucos

Quando quero gritar, leio poesias...

Os versos, ai os versos, falam tão alto, que minhas entranhas escutam, minhas fronteiras se abrem e meus ocultos se revelam...

Se quer me arrepiar, recite...

Misto de instinto, de reflexo, de espectro de sublimidade.

Se a intenção é fazer rir à toa, declame...

Arriscar-se na mais ousada aventura, onde só se chega montado em versos, é ousadia para poucos.

Com licença, necessito de carona agora.

Pessoa, Drumond, Coralina, tem lugar para mim na comitiva?

Eu não abro mão

Se tem uma coisa da qual eu não abro mão como mulher, é do direito de ser mulher com todas as suas nuances, vertentes, incoerências, mistérios, resistências, sensibilidades e, porque não?, fragilidades...

Tem mulher que, apesar de feminina, não gosta de ser mulher. E, eu respeito.

Ser do tipo mulherzinha, que faz charme, que gosta de cavalheirismo, que adora ganhar flores, que se enfeita até para dormir, que faz de certas situações simples verdadeiros eventos com direito à luz de velas, champagne e festa. Que aprecia e guarda como relíquias pequenos objetos, que para muitos seria lixo, como o amante de vinhos preserva a melhor garrafa de sua adega...

Mas eu gosto muito mesmo é de ser mulher. Não sei se vêem isso com bons olhos. Tudo bem, eu respeito.

Só que, na selva, fragilidade deve ser camuflada, para não ser devorada. É a lei da sobrevivência. A expressão popular às avessas vale para mim: “cordeiro em pele de loba”. Portanto, não espalhem por aí a minha mansidão...

Da existência feminina, o que eu tive mais pressa e prazer foi do direito de ser mãe.

De segunda à sexta, uma leoa à caça do sustento da prole. Nos finais de semana, uma coruja de olhos arregalados para admirar, cuidar, educar...

Mesmo exausta da labuta do dia a dia, não tenho o menor pudor de pesquisar na rede uma nova receita a cada fim de semana. Que delícia é vê-los ao redor da mesa degustando o meu carinho, saciando-se do meu amor e sorrindo satisfeitos...

Fico tão prosa ao ver como fazem questão da minha compania no cinema, nas rodas de War, na pizzaria ou nos desafios das trilhas desvendando cachoeiras e outras paisagens paradisíacas. Gosto quando me ajudam a vencer obstáculos e os recompenso não desistindo de nenhum deles. Enquanto admiram o cenário do alto, após a longa jornada cheia de percalços, eu fico só apreciando a mais fantástica das cenas: os frutos das minhas entranhas fazendo do mundo mais deslumbrante...

Na academia, me esforço para fazer bonito e eles me apresentam para os amigos orgulhosos. Que bom quando a turma sugere: "chamem sua mãe para ir com a gente".

Visto-me de forte quando me confidenciam o que nunca pude falar quando tinha a idade deles. Quando me elegem para esclarecer as mais desafiadoras transformações que a vida causa, disfarço o meu constrangimento e respondo com uma máscara de segurança .

Se tempo é questão de preferência, está aí a minha.

E, por enquanto, não abro mão de nenhum um segundo disso.

E, em tempos modernos, onde o conceito e formação da família núcleo da sociedade não são mais o mesmo de outrora, dou-me por satisfeita com a que fui agraciada de formar. Não tem algumas figuras tradicionais, e daí? Em compensação, tem outros elementos que, por Deus, nem se eu tentasse adivinhar lá atrás, nunca poderia imaginar que algum dia eu teria o privilégio de comandar...

Se sobra tempo para ser mulher? E o que é isso senão a mais nobre realização que minha condição feminina me permite?

quarta-feira, 7 de março de 2012

Bom dia, Pessoa

Lendo Pessoa esta manhã, não qualquer pessoa, mas o Fernando, aquele que sabe ser tantas pessoas em uma só; que sabe como ninguem ler a alma das pessoas; pude viajar melhor pela minha própria pessoa e por mistérios que envolvem a alma das milhões de pessoas que povoam esse planeta redondo. Ah! Como o Misterioso pode provocar tanto encantamento! Como o que é distante pode causar tanta atração! Porém, Pessoa, você mesmo, o Fernando, me permita a ousadia. Costumo amar muito também o quê penso ser meu. Tenho a mania de devorar com a fome dos famintos as possibilidades que a vida me traz de bandeja, para ser merecedora delas. Muito prazer Pessoa, meu nome é intensidade. Bom dia, pessoas.
Valéria Aguiar

Enquanto isso, na pedreira....

Por favor, não me apresse, pressione ou me condene. Tenho muitas pedras a retirar. Vou construir minha ponte, custe o que custar. Do lado de lá, minhas respostas me aguardam.

Sim, algumas são pesadas, outras ponteagudas e outras desajeitadas. Mas têm aquelas lindas para colecionador guardar, exóticas e até sugestivas.

Se quiser me ajudar, será bem vindo. Caso c...ontrário, não tem problema. Minha jornada é mesmo solitária. Se as pedras me acompanham? De jeito algum. As rosas, os pássaros e os rios sim.

Enquanto passeio, enquanto choro ou sorrio, enquanto vivo... Vou retirando as pedras e construindo a ponte. Se as guardo para mim? De jeito algum. Pedras só servem para construir. Nunca para atirar ou carregar. Pedras pesam....

segunda-feira, 5 de março de 2012

Hoje, não levantei, mas me prontifiquei

Hoje é o mais importante dos dias. O melhor de todos. O mais esperado. Simplesmente porque é o que está ao alcance das mãos. O mapa da felicidade.

Já, o amanhã, esse não tem dono.

Hoje não levantei, mas me prontifiquei. Tão intensa quanto queda de cachoeira. Mas, mansa, feito filhote de onça pintada que acaba de ver a luz do dia.

Com gosto de suco de fruta refrescante em dia escaldante de verão. E ardente como língua queimada depois de capuccino à beira da lareira.

Uma mistura de tudo. Fisgada de faca bem afiada, curada com beijo de mãe.

Dor de barriga depois de fartura de doce de leite.

Vontade de lamber os dedos como quem quer mais.

Viagem para além da lua em foguete de fantasia.

Negra pérola rara em ostra escondida em profundezas.

Último resquício de água disputado com dromedários.

A mais sedutora das maçãs no pé.

Em busca da salvação. O resgate, a única chance, a melhor de todas.

Nem um pouco morna, nada de “mais ou menos”, de temor ou de pudor.

Entregue irrestritamente, eloquentemente.

Embriagada depois do mais disputado vinho, mas alerta como a hárpia majestosa.

Toque minucioso em pontos de acupuntura.

O Êxtase, o incomparável, o impensável...

Poesia de Fernando Pessoa, letra de Cartola, sinfonia de guitarra, pintura de Picasso, filme de Kurosawa, balé no Lago dos Cisnes...

Assim amanheci hoje. E quando o Amanhã se tornar Hoje também, tudo se repete.

Feliz Hoje para você.

Valéria Aguiar

domingo, 4 de março de 2012

O desabafo de Maria

 Maria não tinha mais paciência para enigmas e nem pessoas enigmáticas. Não estava disponível para amizades e nem outro tipo de relacionamento que exigissem jogos e estratégias. Não estava disposta a ter que ler em branco, ouvir no silencio, traduzir rabiscos e indiretas, fazer chover no molhado, dar nó em pingo d'água, muito menos estava apta a lidar com ilusionistas, cuspidores de fogo, palhaços e andadores de corda bamba. Maria estava na fase de Descomplicar. Queria transparência, objetividade, autenticidade, distância de hipocrisia e frescuras. Portanto não esperem de Maria uma cara de satisfeita quando estiver irritada; não esperem que ela finja não querer se ela estiver com vontade; que demonstre ingenuidade se estiver entendendo tudo. Não esperem que ela puxe saco por interesse, que deixe de falar ou fazer por medo; que ande de cabeça baixa mesmo se estiver fragil. Se isso é uma indireta? Não, Maria decidiu não mandar mais recados. Cumpre apenas. Ela custa a desistir de algo ou de alguém. Prefere esgotar possibilidades para garantir sua consciência tranqüila. Mas quando Maria enjoa, ela evapora. Culpada, Maria? Que atire a primeira pedra quem não tiver culpa....

Valéria Aguiar