sexta-feira, 9 de março de 2012

Uma pena, por favor! (Eu tenho fome de quê?)

Hoje, o que eu mais queria era ter uma pena. Um sentimento que me causasse dor, que me deixasse estática, resignada e de mãos lavadas? Ou uma ferramenta que me permitisse redigir palavras de indignação, capazes de se transformarem em motor propulsor de transformação?



Onde encontrar essa pena que, ao contato com o nanquim da mais íntima essência da minha humanidade, produziria uma alquimia com poderes para tirar da inércia do sofá do conformismo a todos nós telespectadores que assistimos mudos ao espetáculo da morte? Não uma morte qualquer, daquelas ditas naturais, quando o sujeito nasce, cresce e descansa em paz, amém. Mas uma morte daquelas em que o suijeito é oculto pela fome de poder e ganância do mundo.



Qual será a maior fome? A que mata ou a que faz morrer? A fome que alimenta os cofres dos bancos mundiais e as cotações das ações nas bolsas de valores (que valores? os humanos?) Ou a fome que dizima crianças raquíticas que só conheceram como brinquedos ossos dos animais que seus pais tentaram criar, na esperança falida de um dia transformar em banquete? Hoje são só ossos secos nas mãos de pequenos que nunca tiveram um boneco, mas que cumprem o papel de soldadinhos. São ossos do ofício? Do ofício da condenação? Pelo menos alguém, os animais, cumpriram um papel que não fosse o de carrasco.


Conseguiria minha pena escrever o epitáfio dos homens e mulheres que nunca foram apresentados ao resto do mundo dito “civilizado” e que os condenou, primeiro, à escravidão das senzalas, dos troncos e do chicote, e, agora, à da miséria dilacerante da fome?


Oh, que miséria a minha! Sinto uma fome de indignação suficiente para com minha pena escrever uma história nova, em que os personagens não sequem mais de desnutrição, doenças curáveis e fome. Em que os leitores não sequem mais de desprezo e alienação e conformismo.


Será que se eu misturar as lágrimas que derramei ao ver o êxtase e euforia provocados pela bola levada por uma seleção de jogadores do mundo “civilizado’ ao pó do chão árido em que sobrevivem, produziria o nanquim que preciso? Algo me diz que não era o futebol simplesmente o responsável pelo sorriso largo cheio de dentes que raramente mastigam comida, mas a “bola” que aparentemente e mentirosamente o mundo parecia estar dando para aquele ponto renunciado do planeta. Se o mundo é uma bola, em que ponto dessa circunferência está localizada a dignidade dessa gente negra? No ponto morto?

É tão cômodo preferir não olhar para não estragar o dia! É tão mais simples alegar não ter estômago para ver gente morrendo faminta com o estômago devorando o fígado! É tão mais lucrativo não dar manchete porque não vende jornal!

Quem me dera, minha pena pudesse salvar o mundo da covardia e resignação. Enquanto isso, por favor, me empreste uma pena, para que eu possa escrever, na esperança de que minhas palavras se transformem, um dia, em pedaços de pão.
Por Valéria Aguiar

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