Era mais uma daquelas manhãs chuvosas no verão da grande
metrópole, em que o trânsito pára, o relógio dispara, os compromissos não
esperam e os atrasos não perdoam. Um dilúvio que carrega a paciência, o bom
humor, a sensibilidade e até os sentidos. Da janela, tenho uma dura
constatação. Vivemos uma epidemia: a da cegueira. Teria sido a enxurrada que
levou consigo nossa visão?
Mas, em meio à tamanha escuridão, eis que surge uma luz.
Sim, alguém enxerga. Encharcado, inerte, trêmulo e completamente só, um
deficiente visual enxerga a cegueira de quem passa. Acompanhado apenas de sua
bengala, vestido com uma camisa vermelha ensopada, ele observa o vai e vem de
pessoas que enxergam, mas não vêem.
O toureiro balança a bandeira vermelha e o touro vê e ataca.
Mas, nós pedestres não enxergamos aquele ser só, indefeso, esperançoso de
encontrar alguém que o auxilie a atravessar a rua. Embora esteja de camisa
vermelha, nós, feras urbanas, não percebemos.
Cadê os cientistas com um antídoto para curar nossa
cegueira? Sigo em frente com minha falta de visão, de sensibilidade e de
compaixão.
Mas, ele fica para trás...ensopado, impotente, porém
superior...Muito além...
VALÉRIA AGUIAR
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